Tribunal da Relação de Lisboa coloca em causa autenticidade dos selos da IGAC

Absolutamente devastador é como se pode qualificar o Acórdão do Tribunal da Relação agora conhecido e que julgou um recurso relativamente a um gerente de um clube de vídeo que teria colocado para alugar alguns DVDs com o selo rosa que tem a menção de “interdito o aluguer”.

São várias as considerações daquele Tribunal (é a primeira vez que um Tribunal de segunda instância se pronuncia directamente sobre esta temática) e, a começar, coloca logo em causa a autenticidade dos selos uma vez que os mesmos não são colocados nos videogramas pela autoridade pública mas sim por um particular (as distribuidoras) o que aniquila, imediatamente, a sua autenticidade

Lê-se no Acórdão: “(…) o próprio administrador da Lusomundo, (…) afirmou que os selos eram requisitados no IGAC e eram apostos nos DVDs pela própria Lusomundo. Ora, esta afirmação – que se reporta a um procedimento do IGAC, abrangendo, por principio, as relações com a Lusomundo e com os demais distribuidores – inquina, imediatamente, a autenticidade dos selos e a presunção de veracidade dos factos que titulam, porque dela resulta que não foram apostos pela autoridade pública no uso da sua exclusiva competência (art. 369/CC), mas por um titular de um potencial interesse na extensão dos direitos adquiridos (e potencial usurpador). “

Mas aquele Tribunal (recordemos que já não estamos a falar de um mero Tribunal de primeira instância) não se fica por aí e acaba por sustentar aquilo que a ACAPOR há muitos anos vem defendendo. Efectivamente o direito de autorizar o aluguer e o de proibir são dois tipos de direitos distintos e, não tendo o titular do direito originário transmitido esse direito às distribuidoras, não podem estas fazê-lo, nomeadamente requerendo selos que titulam direitos que não lhes foram conferidos. Veja-se: Ora, caso o produtor/distribuidor não disponha do direito de proibir o aluguer (que é um mais em relação ao de permitir) ele tem que se ater aos limites do contrato pelo qual adquiriu o direito de distribuição, ou seja, só pode transmitir os direitos que lhe foram validamente conferidos. Comprovando-se a falsidade dos selos, desde logo, porque não foram apostos pela entidade pública que tem a exclusividade do poder de os colocar (art 3/1, do DL 39/88 e arts 363/2 e 369 CC) a questão coloca-se, então, num outro patamar, que é o da aferição da validade da actuação do distribuidor, ao lançar no mercado DVDs com o selo de interdição de aluguer, o que pressupõe sempre a prova dos factos subjacentes (a questão é absolutamente pertinente porque da sua análise pode resultar que o autor do crime de usurpação seja o distribuidor/copiador, ao abrigo do 195.º/2-c do CDADC e não o alugador ao público.)” 

Como se pode ver pela citação supra, o Tribunal da Relação levanta inclusivamente a hipótese de, ao fazê-lo, as distribuidoras estarem – elas sim – a cometer o crime de usurpação de direitos.

Mas a Acórdão não se fica por aí: “(…) a regra é a de que sempre que o produtor da primeira fixação não restrinja o direito de aluguer (isto é, não exerça o direito a proibir o aluguer) este é cedido ao produtor/distribuidor, que o não pode condicionar, como acima se referiu. Daqui se retira que aos produtores/distribuidores dos filmes só é legítimo proibir o aluguer se esse direito de proibição tiver sido exercido por alguém que seja titular de direitos conexos. Ou seja: ao contrário do raciocínio expendido na sentença recorrida, o que se presume, por regra, é a existência de direito de aluguer. Só mediante a comprovação de que ele foi proibido, é que o distribuidor o pode proibir e o alugador o não pode exercer. Para conferir dessa proibição, basta, no que ao caso concerne, verificar se o fixador de imagem exerceu o direito de proibição, porque se não o fez nunca o produtor/distribuidor o poderá fazer.”(pág. 21)

E é ainda mais claro: ”É que o direito de permitir o aluguer não se confunde com o direito de o proibir. Se é certo que um e outro, por regra, estão associados, quando se trata de questões de concorrência o segundo apresenta-se mais gravoso do que o primeiro ao nível de intervenção no mercado. (…) Em matéria de contratos o que deles não consta não tem existência jurídica e, havendo a presunção de transmissão do direito de aluguer (art.º 8.º/DL 332/97), a ausência de qualquer menção ao direito de proibir esse aluguer presume a sua cedência, conjuntamente com a do direito de venda. Ora a sentença recorrida não atentou nesta distinção e partiu do princípio de que o direito em exercício era o de permitir o aluguer, quando na realidade é o de proibir.

A ACAPOR já deu conhecimento deste Acórdão ao Sr. Inspector Geral da IGAC e requereu nova audiência a fim de se certificar de que  serão retiradas as devidas consequências do mesmo.
Em breve será igualmente apresentado um novo pedido de audiência ao Senhor Secretário de Estado da Cultura.

Perante esta decisão judicial parece-nos que a distinção de selos, face aos actuais contratos celebrados entre estúdios e distribuidores nacionais, tem agora sim os dias contados.