ACAPOR responde ao PCP
Senhores Deputados do Grupo Parlamentar do PCP,
Foi com surpresa que a ACAPOR tomou conhecimento do vosso Projecto-Lei n.º 228/XII sobre a Partilha de Dados Informáticos. Infelizmente, e após tantas reuniões e explicações é com tristeza que verificamos que os senhores não só não perceberam que o que está em causa não é a fortuna de uns, mas sim a sobrevivência de muitos, como ainda por cima se dispõem a misturar “gregos e troianos”.
Centenas de micros empresários do mercado retalhista audiovisual têm sido, há cerca de 10 anos, espoliados e vergonhosamente roubados no seu ganha-pão por culpa exclusiva da PIRATARIA NA INTERNET, provocando o desmoronamento económico e social de centenas de famílias. Somos sensíveis, como vós sois, ao problema que são os salários de pobreza que existem em Portugal, mas acreditem que ainda mais grave é a situação de pessoas, perdão das famílias, que não têm salário, – o dinheiro facturado nas lojas não dá sequer para pagar aos fornecedores e aos proprietários das lojas – nem têm qualquer apoio social, – são “empresários” pelo que não têm quaisquer subsídios sociais que os auxiliem quando não auferem qualquer tipo de rendimento.
É a essas pessoas que o PCP quer retirar o seu LEGÌTIMO direito a poderem levar por diante o negócio que criaram e para o qual, nalguns casos, assumiram responsabilidades de médio longo/prazo que ainda não expiraram e que, face ao proposto no vosso projecto lei, nunca será reposto nem recuperado.
Aquilo que há pelo menos 3 anos vimos repetidamente pedindo a todos os responsáveis políticos, é que o roubo massivo acabe. A vossa solução, a solução agora proposta, é procurar legalizá-lo. Legalizar o direito a roubar. E fazem-no mal. Ou melhor, de forma disparatada.
O vosso projecto em primeiro lugar continua a oferecer aos titulares de direitos a possibilidade de proibirem, ou não, a partilha. A não ser assim estaríamos perante a verdadeira espoliação da propriedade intelectual. Nesse campo nada de novo porquanto essa possibilidade já hoje existe. Aquilo que vós procurais é, pasme-se, tão só que haja uma inversão da presunção da autorização da partilha das obras pela internet. Como é óbvio, isto não vai resolver nada. Os autores/artistas amadores irão continuar a disponibilizar as suas obras gratuitamente na internet, como já o fazem, e os profissionais, porque disso dependem, irão ter o trabalho burocrático acrescido de enviar uma qualquer declaração para a tutela proibindo a partilha das obras.
No entanto muitos serão os problemas acrescidos com esta vossa proposta. Logo à partida a dúvida imediata que é gerada nos utilizadores de internet. Se hoje em dia é risível o argumento de alguns em como não sabem se um determinado download é legal ou ilegal, quando é público e notório quais são as obras que estão no circuito comercial e aquelas que são disponibilizadas gratuitamente pelos seus autores, a partir daí a dificuldade e a confusão fica imediatamente instalada. Ninguém, mas absolutamente ninguém antes de proceder à descarga, vai ao site da Secretaria de Estado da Cultura verificar se aquela obra foi ou não foi proibida de partilhar. Ninguém o fará e os senhores sabem-no bem. Que não exista qualquer dúvida quanto a isso.
Depois vem a questão das obras cujos direitos ainda não se encontram contratualizados para o território nacional. Como é pouco provável que os produtores de obras estrangeiras se lembrem de, antes de tudo o resto, enviar uma carta à tutela portuguesa, então o PCP entende que qualquer obra cinematográfica que acabou de estrear nas salas americanas, inglesas, francesas, se estiver disponível na internet, pode ser imediatamente descarregada legalmente em Portugal.
Ou seja, os produtores, artistas e autores estrangeiros terão que passar a saber que, se não quiserem ser roubados em Portugal, terão que enviar uma cartinha ao senhor Secretário de Estado da Cultura Português.
Para não falar na questão da tentativa de imputar o custo a pagar na factura da internet aos ISPs.
Sabeis tão bem como qualquer pessoa minimamente informada que tal é impossível de fazer. No final, como sempre, é o consumidor, os Portugueses e Portuguesas que em permanência o PCP defende, que irão pagar. Mas neste caso é o consumidor dos downloads e os outros. De forma cega irão pagar todos para benefício de alguns.
Mas, o pior de tudo, é que o diploma não tem uma única linha que aponte para o combate da pirataria online. Fica tudo rigorosamente na mesma. Ou seja, continuar-se-á a permitir que pululem na Net obras para serem partilhadas sem autorização dos titulares do direito de autor. Assim, e perante a lei actual, para a qual não se dignaram a propor qualquer modificação ou ajustamento, os que partilharem obras ilegalmente através da internet continuarão a ser julgados em Processo Penal, sujeitos a prisão num processo completamente desproporcional em todos os sentidos.
Com a vossa proposta o custo de não ser consultado o site da Secretaria do Estado da Cultura para verificar se uma obra está proibida de ser partilhada é de 3 anos de prisão.
Ao invés de procurarem adaptar a lei – tornando-a mais leve a todos os níveis – nomeadamente procurando que a pirataria saísse da esfera penal para passar apenas a ser uma contra ordenação, regulamentando esta alteração, preferiram criar uma pseudo solução em que o lema para os autores é “ou dás a bem ou dás a mal”. Os que disponibilizarem as suas obras candidatam-se a receber a esmola oferecida pelas sociedades gestoras de direitos; os que não disponibilizarem continuarão a ver as suas obras roubadas em grande escala sem nada poderem fazer porque, como se sabe, a lei actual é excessivamente pesada e a sua aplicabilidade extraordinariamente difícil, para não dizer impossível, como se pode verificar pelas queixas até hoje apresentadas pela AFP. Das quarenta efectuadas, apenas duas resultaram em condenações, volvidos que estão seis anos. E não falemos nas 2000 queixas por nós apresentadas há mais de um ano que ainda não tiveram qualquer desenvolvimento.
Aquilo que esta lei faria, caso fosse aprovada, era tornar Portugal num país de piratas. Legalizar-se-ia o roubo da propriedade intelectual de outros, para sustentar o Estado e as Sociedades Gestoras de Direitos. Pelo caminho dão um grande empurrão para dizimar – literalmente – toda a distribuição da indústria cultural e, por consequência, a própria indústria:
Os cinemas vão fechar. Todos! Pode ficar um ou outro aberto por questões históricas, em género de museu. Ninguém suportará as despesas com salas e com pessoal (mais uns para o desemprego) sustentado em algo que todos podem ver gratuitamente. Isso seria até insultar as pessoas.
Se a indústria discográfica já mal sobrevive, a partir dali acabaram definitivamente as editoras portuguesas. Não haverá mais lançamentos de nova música portuguesa. Talvez os mais conceituados e já com elevada capacidade económica estejam dispostos a pagar do seu bolso a distribuição gratuita de Cds para promoverem os seus espectáculos. Gente nova é que não. Esses continuarão a lançar os seus trabalhos no “Myspace” à espera que alguém os ouça. Isto no intervalo do seu trabalho enquanto operadores de caixa de supermercado, para o qual necessitam de uma licenciatura.
Assistimos regularmente a ternurentas manifestações públicas de gente conceituada sempre que fecham uma livraria histórica (e já são tantas a fechar). Ora, comecem-se a preparar para uma mega manifestação de pesar porque, mais uma vez, não vai ficar uma para amostra. Os livros ficarão grátis na internet e será perfeitamente lícito lê-los assim. Quem vai escrever se não for remunerado pela sua criação? Quem vai apostar numa distribuição de um produto sem valor comercial? Ou os senhores por acaso pensam que os autores vão receber alguma coisa para comer, dessa vossa disparatada proposta? Mais alguns milhares de desempregados provenientes da indústria livreira com o alto patrocínio do PCP.
Os clubes de vídeo também fecharão. Claro. Aqueles que ainda sobrevivem, acumulando dívidas na esperança que alguém estanque o saque daquilo que comercializam para poder recuperar, saberão que chegou o fim da linha. Mais algumas centenas de família sem trabalho, nem pão, mas com dívidas para o resto da vida porque alguém decidiu que afinal o seu negócio passou a basear-se em algo que nada vale.
Resta-nos uma dúvida: Se esta é uma tentativa eleitoralista e populista de antecipação, para agradar a uma faixa etária que considera impensável pagar para ter uma música no seu ipod, muito mal andou o PCP. Não estávamos habituados a este tipo de acções por parte do Partido Comunista Português.
Este projecto de lei incentiva a libertinagem e condiciona a liberdade. A liberdade de cada um está sempre condicionada ao respeito pela liberdade dos outros. Quando se incentiva e estimula a libertinagem, estamos a ser permissivos. Tem sido a permissividade e ausência do carácter repressivo da lei – toda a lei tem que ter um carácter repressivo sob pena de se tornar inócua – que enraizou a mentalidade de que tudo posso “sacar” da internet. A legitimidade de pagar por uma obra cultural tem todo o cabimento e razão de ser, não devia sequer ser posta em causa. Em jogo, além da criação artística, está também uma indústria que emprega 6 milhões de pessoas em toda a Europa. Não se brinca com o posto de trabalho das pessoas, o PCP, mais que qualquer outro partido politico, deveria saber isso.
Com um diploma de uns meros dez artigos, de forma completamente displicente e sabe-se lá que mais, colocam-se em risco milhares de postos de trabalho. É Pena!
Por vezes dá vontade de parafrasear um daqueles militantes comunistas da velha guarda. “Andam uns a juntar com o bico e outros a espalhar com as patas”. Esta é, definitivamente, uma delas.
Felizmente nada deste disparate legislativo irá acontecer e tudo não passará de fumaça (eleitoralista?) porque, felizmente, temos tratados internacionais e uma Constituição da República Portuguesa que nos salvaguardam destes atentados.
Os nossos melhores cumprimentos,
A Direcção da ACAPOR